O atual modelo tarifário está destruindo o Sistema de Transporte Público

O que vem causando a falência de um sistema que atende, literalmente, milhões de brasileiros, todos os dias? Entenda no artigo de Miguel Pricinote.

Críticas ao Sistema de Transporte Público brasileiro não são novidade. Há anos ele é fonte de reclamações da população — em especial ao compararmos a qualidade do serviço ao valor cobrado. O que, no entanto, vem causando a falência de um sistema que atende, literalmente, milhões de brasileiros, todos os dias?

O problema começa quando a tarifa do transporte coletivo é baseada nos custos do sistema, e não nas necessidades do mercado.

Isso gera um círculo vicioso que começa na perda de demanda, gerando redução de receita e aumento no custo médio por passageiro transportado. Essa queda na demanda gera outras quedas, na produtividade e na rentabilidade das operadoras do transporte coletivo. Menor produtividade, por sua vez, resulta em desequilíbrio financeiro, levando ao aumento da tarifa e à perda da qualidade e competitividade do serviço. Por fim, o transporte público perde demanda, dando início, mais uma vez, ao circulo vicioso. Dessa forma, pode-se inferir que as principais causas para o aumento das tarifas nos últimos 15 anos foram a perda de produtividade e a perda de demanda pagante, retroalimentadas pelo próprio aumento gradual da tarifa e, também, pelo aumento de custo dos principais insumos do setor.

DESAFIO

Assim surge o maior desafio dos sistemas custeados exclusivamente pela tarifa: aumentar a qualidade dos serviços sem grandes reflexos nos reajustes tarifários, em um ambiente de insegurança jurídica.

Todas essas questões demonstram o forte caráter de insustentabilidade do sistema brasileiro, em especial com o aumento da competitividade do transporte individual — os sistemas de transporte público não encontram, no modelo atual de financiamento, condições de reverter essa perda de competitividade, já que os usuários já se encontram no limite da sua capacidade de pagamento.

GRATUIDADE

Outra mostra da ineficiência do modelo atual é a forma encontrada para custear as viagens gratuitas ou com descontos tarifários. Em geral, no Brasil, não há recursos extra destinados ao custeio das gratuidades — o que significa, na prática, que o usuário pagante cobre essa parcela por um mecanismo de subsídio cruzado. Ou seja, um grupo de usuários paga mais para financiar o benefício dado a outro grupo de usuários.

Este ponto evidencia a maior iniquidade das políticas de concessão de gratuidades no transporte público. A falta de critérios sociais, como condição de renda, na concessão de benefícios tarifários, resultou no financiamento de passagens de pessoas de alta renda pelos usuários de baixa renda. Isso ocorre, por exemplo, na gratuidade de idosos, que é universal, e na concessão de benefícios estudantis quando não há critérios mínimos de renda. É uma política “Robin Hood ao inverso”, onde há transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos.

O modelo tarifário atual é incapaz de atender a essas demandas sem que haja fortes impactos sobre a renda dos usuários. A tarifa não comporta o peso do investimento em infraestrutura e não é adequada para sustentar mudanças drásticas no nível de oferta e qualidade dos sistemas. Reajustes acentuados sempre são seguidos de forte reação popular.

Isso significa, na prática, que o atual modelo de preço público para a tarifa vem destruindo o Sistema de Transporte, seja na degradação do serviço para os usuários, seja na falta de rentabilidade e na insegurança jurídica para os operadores. Uma das principais causas disso é o desrespeito dos contratos firmados com os concessionários por parte dos governos, que definem as tarifas por motivações políticas e impõem medidas populistas de gratuidade ou descontos para grupos escolhidos a dedo. Isso nos leva à seguinte reflexão: qual seria o empreendedor que, em sã consciência, investiria sob essas condições?

No formato atual, o Sistema de Transporte brasileiro está fadado a repetir seus erros, aumentando a crise pela qual já passa. Essa sucessão de falhas é sentida na pele por quem sustenta o modelo: o contribuinte. É hora de pensarmos em novos modelos, que tirem o risco do desequilíbrio econômico-financeiro das mãos do contribuinte, e passem às mãos do operador/empreendedor.

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Miguel Angelo Pricinote é Gerente de Planejamento e Qualidade do Serviço na Viação Reunidas, e integrante do Comitê Diretor da Associação Nacional dos Transportes Públicos, ANTP/Centro Oeste.

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