Pandemia causa medo de transporte público e pode provocar desastre urbano

O transporte de massa virou o Belzebu da pandemia da covid-19. O medo de andar de metrô, trem ou ônibus é a reação padrão no mundo. No Brasil, 93% dizem ter medo usar transporte público, segundo levantamento do PoderData. 

Em Londres, que tem um dos melhores sistemas de metrô do mundo, esse índice chega a 70%, de acordo com pesquisa da Tetha Financial Reporting.

Em Nova York, o governador Andrew Cuomo teve de vir a público para contrariar uma orientação do CDC (Centro de Controle de Doenças), segundo a qual era melhor o público ir para o trabalho de carro do que no transporte público.

Cuomo esbravejou, com razão, que seria impossível adotar repentinamente o uso do carro para as 8 milhões de pessoas que usam metrô, trem e ônibus na região metropolitana de Nova York. A conta do governador de Nova York é muito simples: não haveria ruas nem avenidas suficientes para suportar 8 milhões de carros. Com a reabertura do comércio após o ápice da pandemia, a cidade de Nova York viu o movimento de carros dos subúrbios para Manhattan aumentar em índices que variam de 60% a 70%. 

É tanto carro na rua que a cidade cogita antecipar para este ano o pedágio urbano que estava previsto para começar em 2021. Algo muito pior está acontecendo nas cidades brasileiras. A venda de carros usados, que havia caído 80% no Brasil no mês de março, cresce sem parar desde abril. O transporte público foi reduzido na pandemia, sobretudo para as regiões mais pobres. 

Empresas como Uber e 99 se orgulham de crescer como nunca na periferia. Se essa situação persistir, seria como adicionar um desastre urbano à pandemia. Urbanistas defendem que as cidades não suportam mais carros. É esse o tamanho da encrenca que a covid-19 colocou para prefeitos e governadores. O carro até pode ser mais seguro, como imagina o senso comum, mas há um custo insustentável em seu uso: implica num aumento brutal da poluição, de mortes e de redução de uma das maiores conquistas da urbanidade. 

No Brasil, o ministro Paulo Guedes (Economia) anunciou uma ajuda de R$ 6 bilhões para as companhias aéreas, numa operação de salvamento em que o governo vira, na prática, sócio das empresas. Nada contra salvar as companhias aéreas, fundamental para um país que nunca teve infraestrutura adequada ao seu porte, mas cadê a ajuda para o transporte público? Guedes falou dessa ajuda em abril e, como milhares de planos anunciados pelo ministro, nada foi feito. 

O Senado está para votar uma ajuda de R$ 4 bilhões às empresas de ônibus e metrô, aprovada no final de agosto na Câmara. A ajuda só será dada a quem aceitar não elevar as tarifas. 

Não vi nenhuma explicação decente da razão pela qual o transporte dos mais pobres recebeu R$ 2 bilhões abaixo do socorro às companhias aéreas. Tenho um palpite: os congressistas são muito mais sensíveis ao lobby das companhias aéreas do que aos pobres que andam de ônibus. 

por
MARIO CESAR CARVALHO 

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